Radicais queimam biblioteca com 20 mil manuscritos ao fugirem de Timbuktu

Tropas franco-malinesas retomam cidade; algumas obras eram do século XIII

Boas-vindas. Moradores comemoram a chegada de soldados do Mali e da França a Timbuktu

Eric Feferberg/AFP

TIMBUKTU, MALI

Tropas da França e do Mali retomaram ontem o controle de Timbuktu, cidade considerada patrimônio mundial pela Unesco e localizada a cerca de 900 quilômetros a noroeste da capital malinesa, Bamako, num sinal de avanço da ofensiva contra extremistas ligados à al-Qaeda no Norte do país. A operação, realizada com o apoio de paraquedistas, incluiu a ocupação do aeroporto e do entorno da cidade. A passagem dos extremistas por Timbuktu deixou um rastro de destruição de santuários e mausoléus, cultuados por moderados sufistas. Pouco antes de abandonarem a cidade, eles atearam fogo ao Instituto Ahmed Baba, cuja biblioteca armazenava 20 mil manuscritos, alguns deles do século XIII. Parte do material estava protegida em cofres subterrâneos e a Unesco ainda não sabe a extensão da destruição, mas um funcionário do instituto disse à SkyNews que três mil manuscritos foram queimados.

– Era uma das maiores bibliotecas de manuscritos islâmicos no mundo. Foi pura retaliação. Eles sabiam que estavam perdendo a batalha e bateram onde realmente dói – disse Marie Rodet, professora de História da África na London School of Oriental and African Studies.

EUA PLANEJAM BASE PARA DRONES

Um dos principais sinais de avanço da intervenção liderada pela França – e apoiada por União Europeia e Estados Unidos – ocorreu ainda no fim de semana, quando os extremistas foram expulsos de Gao, a maior cidade na região que estava, há dez meses, nas mãos de grupos militantes islamistas. Tanto em Timbuktu quanto em Gao, moradores comemoraram nas ruas a chegada das tropas malinesas e francesas e o fim das rígidas regras impostas pelos militantes, como amputações para suspeitos de roubos e espancamentos por violações da lei islâmica.

Reconhecendo os resultados alcançados pela missão, o presidente da França, François Hollande, afirmou ontem que tão logo as principais cidades sejam reconquistadas, as tropas francesas diminuirão sua participação no conflito.

– Os africanos podem então assumir o bastão. São eles que entrarão na parte Norte, que sabemos ser mais difícil porque é lá que os terroristas estão se escondendo – disse, em referência ao fato de os radicais terem buscado abrigo em montanhas e no Deserto do Saara.

Especialistas militares temem que os radicais se organizem para continuar uma batalha de guerrilha contra o governo a partir destes esconderijos. A França enviou cerca de 3.500 soldados ao Mali, e há outros 1.900 que fazem parte de uma força pan-africana. De acordo com o presidente, depois que a integridade territorial for restaurada, ficarão apenas militares envolvidos no treinamento de forças malinesas.

– Pouco a pouco o Mali está sendo libertado – afirmou o chanceler da França, Laurent Fabius, comemorando a tomada da cidade.

Mesmo com o apoio europeu, aliados da França já deixaram claro que não enviarão soldados ao país. Os britânicos pretendem ampliar o suporte logístico para a operação. Já o governo do premier interino da Itália, Mario Monti, disse que não poderia auxiliar a missão por falta de apoio político.

As potências ocidentais, porém, acompanham com preocupação a ameaça de grupos extremistas afiliados à al-Qaeda na região. Um sinal disso é o plano dos EUA de instalar uma base de aviões não tripulados no Noroeste da África para aumentar a vigilância, disse o “New York Times”. Se for aprovada, ela deve abrigar cerca de 300 militares americanos e pessoal contratado. O lugar mais provável de instalação seria o Níger, que faz fronteira com o Mali. O Comando Africano dos EUA ainda mantém conversas com outros países, e uma possível alternativa seria Burkina Faso. Os EUA estão particularmente interessados em mapear a ação de militantes no Mali e o fluxo de combatentes e armas que passam pelas fronteiras da Líbia.